Herculano Barreto Filho
Missão dada é missão cumprida. Essa certeza é tatuada na pele de dezenas de policiais com a faca na caveira, símbolo da tropa de elite da Polícia Militar. É uma marca que não pode ser apagada.
Mas o orgulho de ser caveira sofreu um forte abalo para 51 policiais que tiveram os seus nomes publicados no Boletim Interno da corporação nas últimas três semanas, após a greve das polícias. Lá, constavam transferências sistemáticas para batalhões distantes, no interior do estado, como o 8 BPM (Campos dos Goytacazes), a 274 quilômetros da capital.
A farda preta, conquistada com suor e determinação nos cursos de treinamento em ações de combate, tiro de precisão e resgate de reféns, voltou para o guarda-roupas de um cabo, transferido para um batalhão comum.
Policiais do Bope mostram a caveira, símbolo da corporação Foto: Pedro Teixeira / EXTRA
— Ele vai ficar ali, guardado como uma relíquia, porque ainda vou voltar para o Bope. Uma vez caveira, sempre caveira — diz o cabo, que pertence a um grupo de ex-policiais da unidade entrevistado pelo EXTRA. Todos preferem não se identificar por medo de represálias.
A presença do Bope está em cada canto da sua casa. Fotos espalhadas pela sala e uma boina pendurada na parede compõem a decoração, apesar da recente saída da tropa. Abalado, ele se emociona ao lembrar da conversa que teve com a filha, de apenas 4 anos:
— Ela me perguntou: "Pai, você não está mais no Bope?". Eu disse: "Não, filha". Mas sei que, daqui a 30 anos, vou poder dizer a ela que eu participei da ocupação no Alemão.
A PM voltou a dizer que as saídas são administrativas.
— Isso é um insulto à nossa inteligência — rebate o cabo.
‘Nós fomos testados pela cúpula’
Eram 20h de 9 de fevereiro quando a equipe Bravo do Bope foi acionada para se apresentar no QG da PM. O problema é que a categoria estava em meio a um encontro na Cinelândia, para definir a adesão ou não à greve.
Enquanto se preparavam, surgia um boato de que a tropa iria coibir o manifesto. O fantasma da intervenção à greve dos bombeiros, em junho do ano passado, começava a assombrar os caveiras. Na ocasião, o Bope invadiu o quartel para acabar com a manifestação. O episódio deixou uma ferida aberta na tropa.
— Foi um erro. E não queríamos repetir o erro e bater de frente com os colegas — explica um PM transferido.
A tropa de elite levou 30 minutos para chegar ao batalhão. Um atraso, para os padrões do Bope. Os caveiras que estavam lá contam que o coronel René Alonso, comandante do batalhão, foi chamado para uma conversa, na sala do coronel Pinheiro Neto, chefe do Estado-Maior da PM. A conversa durou cerca de 20 minutos. O conteúdo não foi revelado.
— Nós fomos testados pela cúpula — diz um PM.
O comandante do Bope não foi localizado para falar sobre o fato. Procurada pelo EXTRA, a Polícia Militar não comentou o episódio.
Orgulho dá lugar à tristeza
A farda preta sempre foi motivo de orgulho. Depois da transferência, o orgulho deu lugar à frustração. Para eles, é difícil explicar a transferência até para a família.
— Estou frustrado. Vou trabalhar num batalhão para correr atrás de um cara com duas trouxinhas de maconha. Mas vou seguir com a cabeça erguida — diz um sargento, obrigado a deixar o Bope depois de mais de dez anos de participação em operações de $ao tráfico nas favelas mais perigosas do Rio.
Segundo o grupo de ex-policiais do Bope ouvidos pelo EXTRA, além de deixar o Bope alguns dos colegas perderam até o porte de arma, porque estão sendo submetidos a Conselho de Disciplina.
— A cúpula diz que as transferências são administrativas. É normal isso? É normal eles nos tirarem do Bope e nos mandarem para um batalhão longe de casa? $ão testando a inteligência do cidadão — reclama um dos caveiras.
Os ex-policiais do Bope acreditam que a cúpula da PM quer acabar com a equipe Bravo, que estava de serviço em 9 de fevereiro.
— Eles querem dizimar a equipe. O nosso erro foi estar no lugar errado e na hora errada. Tivemos um atraso, mas não descumprimos uma ordem do comando. Porque missão dada é missão cumprida.
Extra Online