domingo, 17 de junho de 2012

Polícia Militar fará ‘bico’ para patrulhar as ruas

Rio

Prestes a instituir o 'bico' na polícia, o que pode aumentar o salário do soldado em até R$ 1.800 a mais por mês com horas extras, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame prepara um ‘choque’ de patrulhamento nas ruas do Rio.

Com entusiasmo, explica que o pagamento do Regime Adicional de Serviço (RAS) já é feito a policiais que trabalham para a corporação nas folgas da Rio+20. A novidade, que faz parte do decreto de redistribuição de agentes, será inaugurada oficialmente dia 1º para suprir o déficit do efetivo em duas cidades na Baixada.

Aos 56 anos e há cinco e meio no cargo que ganhou destaque com a criação das UPPs, ele cobra a execução de projetos sociais em áreas pacificadas e informações sobre o crescimento habitacional.

O DIA: O que está sendo feito sobre o decreto de redistribuição de policiais anunciado há alguns dias?

BELTRAME: – Fizemos levantamento das deficiências dos batalhões. O mapa indica que os índices de crimes vão diminuindo nas áreas onde há mais policiais. Para aumentar o efetivo, vamos pagar hora extra através da RAS pelo trabalho de policiais em dias de folga. O agente será pago para recomplementar o serviço onde é lotado ou em outro batalhão.

Quanto será pago?

Serão pagos R$ 150 por turno de oito horas extras ao soldado, que poderá fazer no máximo 96 horas extras no mês. A possibilidade é de ganho de até R$ 1.800 além do salário, que é de R$ 1.625. É o equivalente a 12 dias de trabalho durante as folgas a cada 30 dias.

É um “bico” oficial na corporação?

Sim. Este valor é competitivo em relação ao bico que alguns policiais fazem nas folgas. Além disso, é muito melhor para o policial trabalhar fardado, legalizado, com a viatura, com a arma dele, com proteção social.

Quais serão as áreas prioritárias?

Vamos começar pela Baixada Fluminense, entre outras áreas. Por exemplo: um batalhão com carência de 286 homens vai ter 286 por dia. Vamos ver o resultado.

Foto: Arte O Dia

Foto: Arte O Dia

Quando começará?

Oficialmente no dia 1º de julho, embora já tenha estreado na Rio+20.

O senhor acha que isso pode ajudar a reduzir a ação das milícias, que são integradas por muitos policiais nas horas de folga?

Claro. A gente espera que isso tenha efeito de redução de criminalidade. Sendo a milícia um crime, terá impacto. O que queremos é resolver o problema da falta de efetivo. Não há uma política de concurso público. Há anos, foram criados novos batalhões sem novos policiais. Eram só trocados. Qual o critério para fazer isso? Político. O centro da cidade tem cinco batalhões. Para quê?

Por que o Rio tem 22 UPPs em áreas antes dominadas pelo tráfico de drogas e apenas uma onde havia milícia, no Batan?

Porque não está na nossa rota. O combate à milícia tem a mesma lógica da UPP. O grande problema da milícia ocorria em Campo Grande. Fizemos grandes prisões de milicianos naquela área. E qual foi a ocupação social lá? Se tiramos o transporte clandestino e não é oferecido o transporte público para a população, se tiramos o 'gatonet' e a milícia da área, mas as distribuidoras legais não chegam com os serviços oficiais, estamos suscetíveis a ter os mesmos problemas. Vamos voltar lá.

Combater a milícia é mais complicado do que enfrentar o tráfico, já que o miliciano pode ser policial e tem ligações dentro do Estado?

Há uma série de requisitos que complicam a milícia. O primeiro deles é que existe há 20 anos no Rio. Nos primeiros 10 anos era considerada por alguns como possibilidade de ser positiva. O segundo requisito é que as instituições policiais não reagiram contra, não criaram métodos de investigação. O problema se avolumou. Foi preciso aprender a trabalhar com isso, que é diferente de tudo que se fez até agora. Envolve servidor público, servidor público de folga, armado e fazendo o que é do estado. Para estes quatro 'ingredientes' não existe um tipo penal como é o caso dos homicídios: quem mata alguém vai preso. Com milícia não havia isso, por inércia ou seja lá o que for.

Na sua opinião um dos grandes obstáculos da segurança pública é que suas ações não são seguidas pelos serviços públicos?

As ações sociais não têm a velocidade e a pontualidade que eu entendo que deveriam ter para dar resposta social após uma intervenção policial. Isso não me isenta de agir, quero deixar claro. Mas são funções absolutamente necessárias e complementares. Um exemplo claro é o que houve em Campo Grande. Fomos no foco dela, prendemos gente muito importante, mas a parte social não foi feita. O policial vai ter que ficar lá para fiscalizar os serviços de TV a cabo, gás, água, sinal de internet, ônibus? Eu digo isso, senão vão dizer que não combatemos a milícia, que o problema é de segurança. Da mesma forma, se a gente entra no Jacaré e fica só com a polícia lá, ficamos fadados ao insucesso.

Foto: Marcio Mercante / Agência O Dia

Beltrame apresentará a Cabral estudo com o impacto que crescimento da população provoca na segurança em áreas de grande desenvolvimento industrial | Foto: Marcio Mercante / Agência O Dia

Quais os serviços prioritários em comunidades pacificadas?

É preciso oferecer programa de empregabilidade, que mostre para as pessoas que depois do muro da favela tem um mundo inteiro. Mas tem que mostrar para eles. Eles não sabem.

O que o senhor pediria ao governador nessa área?

Tem que criar perspectiva nas comunidades, mostrar que há outro mundo depois do muro das favelas.

O senhor tem percorrido comunidades. A questão educacional, que é uma das mais importantes, tem sido desenvolvida nas áreas pacificadas?

Acho que a malha de ensino, tanto estadual como municipal, é muito boa. Está bem distribuída nas áreas. Não sei como funcionam, mas há escolas.

As ações de saúde também podem ajudar na percepção e no aumento da segurança de alguma forma?

Acho que sim. Tudo que valoriza a vida das pessoas em nome da dignidade é positivo, porque se mostra ao cidadão que é muito melhor estar do lado do estado, da prefeitura, do que do lado do tráfico, da milícia, da tirania.

Mesmo quando existem, os programas nem sempre atingem todos que necessitam. Na Cidade de Deus, por exemplo, há o Projeto Rio 2016 para a criançada, oferecido pela Secretaria de Esporte e Lazer. Há 400 crianças participando e mais de mil na fila para fazer esporte.

A gente é suspeito para falar, mas tem muita coisa virtuosa. O segredo, para mim, é integrar, diminuir o conceito de cidade partida. Uma aula de música de graça que começou a ser oferecida no Morro da Babilônia hoje beneficia pessoas no Alemão, Pavão e em outros quatro ou cinco morros.

As novas políticas de crescimento habitacional estão de acordo com a política de segurança?

Os programas habitacionais devem existir. Mas o que a gente precisa, como técnico, é saber a densidade demográfica dos lugares para planejar a segurança pública. Se a população crescer em determinadas áreas sem o nosso conhecimento, fatalmente vamos ter, depois de algum tempo, uma deficiência de policiais nestas regiões. Se tivermos cinco mil pessoas em um programa habitacional e não houver transporte adequado para elas, a possibilidade de criação de um serviço de transporte alternativo por milicianos ou outros grupos clandestinos é muito grande.

Mas o senhor não tem controle sobre este aumento populacional nas áreas?

Não. Tenho solicitado informações sobre como a prefeitura cuida disso. Busco e quero esta resposta. Preciso saber o número de moradores.

O senhor tem obtido resposta?

Não.

A presidenta Dilma Rousseff assinou repasse de verbas para turbinar projetos de desenvolvimento no estado. O Rio tem vários polos novos de desenvolvimento, como o Comperj e Porto do Açu. A secretaria está preparada para o impacto disso?

Vamos apresentar ao governador um estudo que fiz junto com o Instituto de Segurança Pública, contendo recomendações com visão prospectiva de aumento de população. Temos que ver aonde estas pessoas vão ser alocadas e a perspectiva de empregabilidade para mostrar ao governo em tempo para buscar soluções.

As UPPs aceleraram o processo de crescimento das favelas no Rio?

Acredito que sim. Isso acontece na medida em que as pessoas não precisam mais prestar contas para um desconhecido criminoso.

O senhor tem um levantamento que mostre que algumas comunidades aumentaram de tamanho ou de população?

Não tenho dados, mas percebo quando vou aos lugares. Vejo coisas que na visita anterior não existiam. Há movimento de material de construção. Pode ser para reforma, mas também pode ser para nova obra. Li que o Vidigal está aumentando. Precisamos ter controle disso. Se a população aumentar naquela área, vou ter que colocar mais 50, 60 policiais lá.

Foto: Arte O Dia

Foto: Arte O Dia

Isso é mais grave em alguma região da cidade, como a Zona Sul, por ser mais turística e valorizada?

Acho que o crescimento pode ser maior na Zona Sul, onde a possibilidade de empregabilidade também é maior. A minha preocupação principal é com o que pode acontecer no futuro. Quero ver daqui a 10, 15 anos. Não dá para esperar 10 anos para ter resultado de um Censo (do IBGE) para nos planejarmos.

Isso pode estar está influenciando no aumento de crimes como os de roubo a residência e assalto a motoristas na cidade?

Na Zona Sul tivemos pessoas presas, que eram do Jacaré. Em Niterói, de 400 pessoas presas, 30 eram do Rio. Não dá para dizer que não há migração, mas ela é pequena. A questão é a oportunidade, a facilidade que existe em determinadas áreas.

O que tem sido feito contra o crack?

É um problema de saúde pública. Muito crack é apreendido. Não é um produto de valor. Em áreas carentes se compra por R$ 1 ou R$ 2. À medida em que se combate o tráfico de drogas, se combate o crack. Isso porque a venda é feita casada. Os agentes são os mesmos e casam a venda do crack à da cocaína. Vejo isso como um mercado. É uma forma de tornar a venda mais rentável e com menos custo.

E o tráfico de armas e de munição?

Eu hoje focaria na criação de um mecanismo de investigação nacional sobre munição. Precisamos ter informações dos produtores sobre quem compra, sobre a origem. Mas não é feito. Se eu pego um fuzil Ruger aqui, não sei como chegou, onde foi fabricado e para onde foi vendido. Busquei a origem daquele monte de armas apreendidas no Alemão e as respostas vieram todas desencontradas.

Estamos em plena Rio+20, depois vem Copa do Mundo. O Brasil não tem tradição de enfrentar problemas decorrentes de embates ideológicos radicais no mundo, que motivam terrorismo. O senhor está preocupado com isso?

Temos que ser preventivos, mas a ação é da Polícia Federal. A gente tem que ficar atento.

Como secretário de Segurança, qual é a sua maior preocupação em relação à Rio+20?

É com o cidadão, com a sensação de segurança que a gente tem obrigação de dar ao cidadão carioca. Acho que os grandes eventos são importantíssimos para a cidade. O Exército está dando apoio. O Rio de Janeiro está bem preparado para este evento e também para os outros.

O Rio desperta a curiosidade natural dos turistas nacionais e estrangeiros. O senhor teria alguma recomendação especial para evitar alguma área?

Não. Acho que as pessoas podem buscar pontos turísticos no Rio de Janeiro, aproveitar a cidade. Só a PM está com sete mil homens na rua. Está contemplando estes lugares onde normalmente existe acesso de turistas maiores. Acho que tem que ser vida normal para todos nós.

Incluindo as favelas?

Entendo que as pessoas possivelmente vão a favelas pacificadas. A realidade das áreas que nós temos conflagradas é histórica. Não é na Rio+20 que tem favelas conflagradas. Na Rio 92 tinha muitos mais favelas conflagradas do que tem hoje.

O presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio encaminhou ao TSE pedido de reforço de tropas do Exército ao longo da campanha eleitoral. Como o senhor avalia a atitude?

Vi nos jornais a declaração do presidente do tribunal. Se ele acha que há necessidade, não vejo problema. O Exército já é parceiro nosso.

Vê necessidade?

Só não podemos fazer da Segurança Pública um palanque eleitoral. Mas, se esta é uma demanda do tribunal, a gente aceita, acata e ajuda.

O senhor acha que criou uma estrutura? Seu sucessor vai ter estrutura?

Sim. Se for trocado amanhã, já deixei tudo pronto. Como o prédio do Centro Integrado de Controle de Comando, a Cidade da Polícia, o Centro de Operações Especiais da Polícia Militar, novas instalações da Secretaria de Estado de Segurança, entre outros.

E a área de tecnologia?

A licitação está em fase final para a aquisição de câmeras para equipar cerca de dois mil carros das polícias.

Qual é a previsão para a instalação de UPPs fora da cidade do Rio?

Será preciso esperar um pouco. Pelos menos 40 UPPs estarão instaladas no Rio de Janeiro até o fim de 2014. Hoje já temos 23 UPPs e nos próximos meses serão inauguradas mais quatro no complexo da Penha e ainda tem a UPP da Rocinha.

Em que lugar da caminhada o senhor acha que está desde janeiro de 2003?

Em função do mundo ideal? Nem na metade.

Imagina em 2014 estar em qual ponto da caminhada?

Em 2014 eu pretendo estar na casa de 10, 12 homicídios por 100 mil habitantes. Hoje o número é em torno de 24. Conviviam aqui com 60. Quando assumi eram 40.

Qual é o índice atual de resolução de investigação de homicídios?

Estamos na casa dos 30% a 32% de resolução. A minha meta é buscar 100%. Vamos melhorar com polícia técnica científica. Quando assumi acho que era na faixa de 4% a 5%.

Candidatar-se a governador do Rio está entre os seus planos?

Não. É uma opção pessoal.

O senhor pensa na possibilidade de ser mantido no cargo de secretário de Segurança no novo governo?

Não. Já fiz o que tinha que fazer. Não sei para onde vou. Acho que vou me aposentar. Eu criei dois filhos, que hoje estão com 28 e 25 anos, mas não os acompanhei quando eram pequenos porque viajava muito pela Polícia Federal.

Me separei e o fato de ter criado meus filhos de longe ficou na minha cabeça. Agora tenho um filho de 2 anos. Quando a minha mulher ficou grávida, planejei me dedicar mais a ele. Mas está pior do que os outros dois. Ele começou a creche este ano e eu só o levei duas vezes. E ainda o deixei chorando.

E planeja ter outro filho?

Não. Deste mato não sai mais coelho.

Reportagem de Aziz Filho, Elaine Gaglianone e Joana Costa

O Dia Online

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