Exame de balística mostra, três meses depois de crime na Washington Luiz, que tiro que atingiu detetive saiu da arma do companheiro de trabalho dele e não de bandidos
Rio - Três meses após o homicídio do detetive Eduardo da Silva Oliveira, 25 anos, durante troca de tiros com assaltantes na Rodovia Washington Luiz, altura de Saracuruna, em Duque de Caxias, descobriu-se agora que ele foi morto por outro policial civil, o inspetor Lincoln Vinícius Bastos Vargas, e não por um dos três bandidos que praticavam roubo a carro no local, versão cravada inicialmente pela polícia.
A revelação sobre o verdadeiro autor do tiro que matou o detetive está no exame de balística feito pelo Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), concluído semana passada.
Assim que o delegado Felipe Curi, da 60ª DP (Campos Elíseos), responsável pela investigação, soube o resultado, comunicou à Chefia de Polícia, que requisitou o inquérito e só nesta segunda-feira de manhã o enviou à Corregedoria de Polícia.
Rosemar chora ao lembrar da morte do filho aos 25 anos e ficou indignada com o resultado da investigação | Foto: Paulo Alvadia / Agência O Dia
“O Vargas me abraçou no enterro do Eduardo e disse que lamentava muito. Eu tive um pressentimento e perguntei se havia sido ele a atirar no meu filho. Vargas negou e disse que nem estava perto dele no momento em que ele foi ferido”, lembrou, aos prantos, a mãe da vítima, Rosemar Vieira da Silva, 43 anos, que perdeu mais de dez quilos desde a morte do filho, em 19 de abril.
A bala calibre 40 saiu da pistola do inspetor Vargas e entrou no lado esquerdo do pescoço de Eduardo. Porém, o que mais chama a atenção no disparo é que o ângulo do tiro é de cima para baixo e para a frente, e ambos estavam se protegendo do tiroteio na traseira da viatura da polícia. Um adolescente de 16 anos também foi ferido a tiros.
Entretanto, a despeito do laudo de balística, a responsabilidade pelo homicídio continua pesando nas costas de dois dos três assaltantes que participaram da troca de tiros com os policiais.
Murilo da Silva Duarte, que está foragido, e Thiago Gomes Fernandes dos Santos, que já está preso, foram indiciados pela morte do policial, segundo o corregedor da Polícia Civil, delegado Gilson Emiliano. O terceiro bandido ainda não está identificado oficialmente.
Na opinião do corregedor houve falhas na investigação feita pela 60ª DP, que agora serão corrigidas. Mas adiantou que, se ficar provado que o tiro foi acidental, o inspetor Vargas pode valer-se da tese da legítima defesa.
O delegado Gilson Emiliano é didático: “Se o inspetor matou o detetive, mas a sua intenção era atirar no bandido, é como se ele tivesse matado o bandido”. Em seguida, tratou de emendar: “Ainda não sabemos se foi acidental. Vamos apurar tudo, sem descartar qualquer possibilidade”.
Reconstituição do crime
O inspetor Vargas não será afastado de suas funções enquanto se investiga se o tiro foi acidental. Quem afirma é o corregedor Gilson Emiliano: “Vamos apurar até se havia alguma rixa entre os dois”. Reconstituição da ação pode ser feita.
O tiroteio que culminou na morte do detetive Eduardo ocorreu entre 19h30 e 20h, na Rodovia Washington Luiz.
Os policiais estavam numa viatura quando viram três homens pararem um Palio na pista e renderem dois ocupantes de um carro mais à frente. Um deles é o adolescente ferido nas costas.
Os assaltantes também avistaram o carro da polícia e abriram fogo. Eduardo foi o primeiro a sair da viatura, seguido por Lima. Vargas foi o último. Os três sustentaram o tiroteio com os bandidos, que renderam um outro motorista e fugiram.
Acusado do crime apresentou álibis
Um terceiro homem, preso como participante do confronto e reconhecido pelos dois policiais sobreviventes e por testemunhas, teve a prisão decretada. Dias depois, sua prisão foi revogada pela própria Justiça.
Ariel Gomes da Silva apresentou várias testemunhas de que, em 19 de abril, dia do crime, estava dando aula como instrutor num curso de serralheria da ONG Stimulu Brasil, no Santo Cristo.
Eduardo Oliveira no dia de sua formatura na Polícia Civil| Foto: Reprodução
Em seu cartão de ponto consta que Ariel começou a trabalhar de manhã, saiu do curso às 18h22 e retornou às 19h39, onde ficou até as 22h. Nem álibi forte foi suficiente para convencer o subcorregedor Glaudiston Galeano.
“O sistema de marcação do cartão não é ergométrico. Ariel pode ter pedido para alguém na ONG marcar manualmente”, disparou Galeano.
Ferido tem cicatriz e guarda bala
Um pedaço de metal e uma cicatriz nas costas são as marcas do dia que I., de 16 anos, não consegue esquecer. Ferido por um dos disparos durante a ação que vitimou o policial Eduardo, ele guarda a bala retirada pelos médicos de seu corpo.
O projétil até hoje não foi recolhido para a perícia nem o jovem passou por exame de corpo de delito, após exatos 90 dias do crime.
A mãe do adolescente disse ter pedido aos médicos para ficar com a bala. Teria recebido deles só uma informação sobre o calibre: “Falaram que era 40.”
I. estava com amigos dentro do carro que primeiro foi abordado pelos três bandidos naquela noite de 19 de abril, na Rodovia Washington Luiz.
“Foi muito rápido e assustador. Os bandidos cercaram o carro e mandaram todo mundo descer. Eu não sabia que tinha carro da polícia logo atrás. Tentei correr e senti o tiro nas costas. Fiquei caído no chão, com muito medo. Vi o policial também no chão e ferido. Tinha muito sangue no rosto e no pescoço dele. Parecia que nunca ia acabar”, relembrou I.
Desde então ficou dois meses fora da escola — ele cursa o 9º ano do Ensino Fundamental — e só não perdeu as provas bimestrais graças ao apoio da unidade e dos amigos, que diariamente levavam sua lição para casa.
O adolescente foi socorrido pelos companheiros. “Meu amigo disse para um dos policiais que sós éramos trabalhadores, do bem, e que queríamos ir para o hospital. Eles foram lá depois e conversaram com a minha mãe”, contou.
O jovem prestou depoimento na 60ª DP (Campos Elíseos) 14 dias depois do tiroteio. Na ocasião, relatou que faria cirurgia em 9 de abril para retirar o projétil, o que ocorreu, mas até ontem não havia sido procurado novamente pela polícia.
No depoimento, o adolescente ainda contou que não conseguiria reconhecer os acusados porque a ação foi rápida e ele estava nervoso.
Reportagem de Hilka Telles. Colaborou Vania Cunha
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