Fernando Torres e Marcelo Gomes
Desperdício de R$ 34 milhões
Dois anos depois da assinatura do primeiro contrato da Secretaria estadual de Segurança com a empresa Júlio Simões Logística S.A. para fornecimento de 1.228 carros zero quilômetro e equipados com kit gás para a Polícia Militar, 998 novos veículos da corporação ainda são abastecidos com gasolina ou álcool.
Na compra do primeiro lote de viaturas com o kit, a Secretaria de Segurança anunciou que os 632 carros, que estavam sendo entregues e seriam abastecidos com gás natural veicular (GNV), gerariam uma economia de R$ 1 milhão por mês.
Utilizando a média de redução de gastos que seria feita por cada veículo, chega-se a uma conta assustadora: R$ 33 milhões deixaram de ser economizados nestes 22 meses que as 998 viaturas com kit seguiram recebendo gasolina ou álcool. Segundo a Bi Gás, empresa que fez a instalação dos equipamentos para a Júlio Simões, cada conjunto custa R$ 1,7 mil, incluindo os custos de montagem.
Multiplicando pelo número de kits inativos, estima-se que R$ 1,6 milhão dos cofres públicos estejam inutilizados nos porta-malas da PM. Somados esses dois casos, o desperdício alcança R$ 34,6 milhões.
Atualmente são abastecidos com GNV carros de apenas alguns batalhões subordinados ao 1 Comando de Policiamento de Área e ao Comando de Unidades Operacionais Especiais.
— Esse descaso é, no mínimo, falta de competência. É um duplo desperdício de dinheiro público: o estado está pagando mais caro pelas viaturas por conta da exigência do kit gás e também por continuar a usar gasolina, que custa mais que o GNV — afirmou o deputado Alessandro Molon (PT), da Comissão de Orçamento da Alerj.
Uma bomba de GNV para 230 veículos
A única bomba de GNV instalada até o momento funciona no pátio do 4º BPM (São Cristóvão), das 6h às 22h. A PM afirmou que abastece 230 viaturas com GNV, mas para cumprir esta missão — teoricamente, diária — são necessários 2.300 minutos (38h) ou dois dias e meio, considerando o expediente de 16h da bomba do quartel de São Cristóvão.
Cada Gol 1.6 possui dois cilindros de 8 metros cúbicos de gás. Já as Blazers possuem um cilindro de 18 metros cúbicos. De acordo com a Associação Brasileira do Gás Natural Veicular (ABGNV), com este combustível, é possível rodar 160 quilômetros, média diária para um veículo utilizado no patrulhamento urbano.
Segundo a ABGNV, o tempo médio para recarregar os cilindros de um Gol como o da polícia é de 10 minutos. Portanto, a única bomba de gás da PM só é capaz de abastecer 96 viaturas por dia. Para chegar a 230, ainda sobraria, no lado externo do batalhão, uma fila com 134 carros, o bastante para dar uma volta no quarteirão do 4º BPM.
Sem prazo para todos os carros usarem GNV
A Polícia Militar não sabe quando todas as viaturas com o kit gás trocarão a gasolina pelo GNV, combustível mais econômico. Só há uma certeza: a terceirização, anunciada como a solução para os problemas de sucateamento da frota, deu carona a um exemplo de investimento mal planejado que não tem data para acabar.
Até o fim deste ano, quando termina o mandato do governador Sérgio Cabral, o dinheiro público continuará vazando pelo duto do gás do desperdício.
De acordo com a PM, “o abastecimento com GNV de todas as viaturas depende da construção de novos postos de abastecimento, pois é inviável para algumas unidades deslocarem-se até São Cristóvão em função da distância”.
O Detran informou que todos os veículos oficiais, incluindo carros da PM, também devem obter o Certificado de Segurança Veicular em uma oficina credenciada pelo Inmetro, as chamadas Instituições Técnicas Licenciadas (ITLs), para regularizar a situação do automóvel.
Por serem da frota oficial do estado, os veículos da PM são isentos da taxa de vistoria do Detran. Entretanto, como a vistoria do kit gás é feita em oficinas terceirizadas, o Estado tem que arcar com as taxas cobradas.
Já a CEG, que fornece o gás disponibilizado no 4º BPM, informou que cobra do estado a tarifa vigente autorizada pela Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico (Agenersa) do segmento de GNV.
Como a PM é um órgão do governo do estado, na tarifa do GNV não incide o Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços, que é estadual.
Ainda de acordo com a CEG, uma outra bomba de GNV está sendo construída no pátio do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP), em Sulacap. Além disso, está em estudo a construção de bombas semelhantes no 16º BPM (Olaria) e 23º BPM (Leblon).
A PM alegou que, com quatro postos, será possível alcançar cerca de 610 viaturas com GNV, atendendo as zonas Norte e Sul e parte da Zona Oeste.
Segundo a corporação, licitações serão abertas para a contratação de postos de gás GNV que vão abastecer os carros da Zona Oeste, Baixada, Niterói e interior.
Críticas nas ruas
Alguns PMs ouvidos pelo EXTRA nas ruas da cidade elogiaram a terceirização da frota da corporação, mas criticaram o kit gás.
— Numa perseguição, o carro perde potência quando utilizamos o GNV.
Concordo que o uso do gás é uma forma de o estado economizar, mas isso poderia ter sido feito com outros órgãos.
Na polícia, atrapalha o nosso trabalho — disse um soldado do 4º BPM.
Outro policial teme por sua segurança:
— Não sei se uma bala de fuzil perfurar o cilindro pode fazer a viatura explodir. E isso é bem possível, já que os carros não são blindados.
Já um policial do 6º BPM (Tijuca) aprova a terceirização da frota, que resultou em melhores condições de trabalho.
— Já dirigi uma Blazer que só tinha a primeira, segunda e quinta marchas. Quando precisava dar marcha à ré, tinha que descer da viatura e empurrá-la.
Hoje isso não acontece mais. Mas acho que o dinheiro gasto na instalação dos kits gás deveriam ter sido empregados de forma melhor. Mas já que o estado pagou pelos kits GNV, eles deveriam estar sendo utilizados.
De que forma o dinheiro desperdiçado com os kits gás nas viaturas da PM poderia ser melhor utilizado pelo governo do estado? Dê sua opinião.
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