POR MAHOMED SAIGG, RIO DE JANEIRO
Rio - Alvo de várias ameaças de morte, o presidente do Departamento Estadual de Transportes Rodoviários (Detro), Rogério Onofre, viu sua vida mudar depois que aceitou o desafio de regulamentar o transporte alternativo no Rio.
Na mira de criminosos que controlam a violenta máfia das vans, Onofre decidiu quebrar o silêncio. Revelou que seu carro já foi perseguido e descobriu reunião para planejar sua morte. Por duas vezes, o risco esteve bem perto.
Tem até evitado ir à sede do órgão, no Centro: “Minha presença pode colocar os funcionários em perigo”. O local já foi cercado por topiqueiros em protesto contra a licitação das vans. Lá, a vigilância está reforçada — para entrar no prédio, o visitante é revistado com detectores de metal até os pés.
O combate às irregularidades rendeu inimigos. Desde que voltou ao Detro, em janeiro de 2007, as blitzes se tornaram diárias. No período, o órgão aplicou 37.928 multas e apreendeu 19.557 veículos.
Rogério Onofre conta que não passa 24h no mesmo lugar e descobriu plano para matá-lo
O DIA: O que mudou em sua vida após o lançamento do edital de licitação das vans intermunicipais?
Onofre: Minha vida virou um inferno. Desde que começamos a organizar o transporte de passageiros no estado meu sossego acabou. Foram várias ameaças de morte, que hoje me obrigam a andar com seguranças 24 horas aonde quer que eu vá. Todos os dias durmo num lugar diferente, mudo de celular toda semana. Até à sede do Detro tenho evitado ir porque sei que minha presença pode colocar a vida dos funcionários em perigo.
Então como o senhor está fazendo para trabalhar?
Por causa dessas ameaças de morte que venho recebendo, estou tendo que despachar cada dia de um lugar diferente. Essa situação me obrigou a mudar completamente minha rotina. Está sendo muito difícil para mim e para a minha família, que também está sofrendo demais com tudo isso.
A que o senhor atribui essa perseguição e as ameaças?
À coragem que o governo demonstra ao enfrentar esses grupos criminosos, que há muitos anos lucram com a exploração da mão de obra dos trabalhadores do transporte alternativo. A regulamentação das vans contraria os interesses de muita gente, que não está nem um pouco satisfeita com isso.
O senhor tem medo de ser assassinado?
Estaria mentindo se dissesse que não. Afinal, sabemos que mais de 100 pessoas já foram mortas por disputas nesse setor só nos últimos anos. Meu carro já foi perseguido na rua. Soube de uma reunião para tramar minha morte. Mas tenho Deus como meu maior protetor e estou tomando todas as precauções necessárias para evitar uma fatalidade. O próprio governador (Sérgio Cabral) já determinou que o setor de inteligência da Secretaria de Segurança entrasse em ação para garantir minha proteção. Mesmo assim, não posso vacilar. Sei exatamente os riscos que corro.
O senhor é um homem de muitos inimigos?
Pessoalmente, não, mas por causa do meu trabalho à frente do Detro ganhei muitos (inimigos). Feri os interesses de muita gente: de empresários que foram excluídos da licitação do transporte alternativo e não gostaram da licitação das novas linhas de ônibus que ligam a Barra da Tijuca à Baixada Fluminense a motoristas de vans que não conseguiram ganhar licença.
A Prefeitura do Rio anunciou que, na capital, as permissões serão concedidas a pessoas jurídicas e não a motoristas autônomos. O senhor se arrepende de ter adotado modelo priorizando os autônomos?
De maneira nenhuma! O objetivo da licitação é favorecer os trabalhadores e melhorar a qualidade do serviço prestado à população. Se fizéssemos diferente não teríamos, por exemplo, como impedir que empresários de ônibus participassem da disputa. Com o poder financeiro que têm, certamente levariam vantagem sobre os autônomos e acabariam vencendo a licitação. Isso só serviria para aumentar o monopólio no transporte público e transformar topiqueiros em empregados desses empresários. Fizemos exatamente o que os motoristas sempre pediram.
Quais são os riscos do modelo municipal?
Todos sabem que existem grupos criminosos que se escondem por trás de algumas cooperativas para cometer crimes e explorar os trabalhadores. Se adotasse outro modelo na licitação que fizemos estaria institucionalizando o crime organizado no transporte de passageiros no estado e aumentando ainda mais o drama dos verdadeiros trabalhadores.
Quando o edital foi lançado, em 2007, muitos topiqueiros reclamaram da redução no número de permissões, que caiu de 1.805 para 641. Apesar disso, sobraram 59 vagas. Por quê?
Como os governos anteriores ficaram só na promessa, muitos não acreditaram que chegaríamos ao fim da licitação por causa da pressão. Por isso deixaram de participar da disputa. Agora que estão vendo que conseguimos concluir o processo de regulamentação do setor, sei que estão arrependidos de não terem participado.
A regulamentação apenas das linhas de vans intermunicipais resolve os problemas do setor?
Claro que não! É preciso que as prefeituras de todos os municípios do Rio façam a sua parte e organizem o serviço também. E eu espero que o Ministério Público e a Justiça ajam com o mesmo rigor que agiram conosco, nos obrigando a fazer a licitação. Se isso não acontecer, não adianta: os problemas vão continuar.
Em junho, os cariocas assistiram a verdadeira guerra entre PMs e topiqueiros na porta do Palácio Guanabara, no dia da entrega das primeiras permissões. O senhor teme que aconteça novamente?
Não. Acredito que os motoristas de vans finalmente entenderam que a licitação no estado foi positiva para a categoria. Além do mais, não descartamos a possibilidade de ampliar o número de vagas caso sejam feitos estudos técnicos que venham a comprovar essa necessidade. De qualquer forma, as autoridades de segurança pública do estado estão trabalhando firme para impedir manifestações violentas como a que tivemos em junho. Não somos contra protestos. Mas não vamos tolerar agressões e violência como a que houve.
Durante a semana, o senhor disse que o ex-governador Anthony Garotinho estaria instigando motoristas que perderam a licitação a “partir pra cima” do senhor. Como recebeu essa informação?
Conheço bem o Garotinho. Sei que esse é o jeito dele de fazer política. Mas prefiro acreditar que esta informação que chegou até mim esteja equivocada, porque seria um ato covarde e muito irresponsável da parte dele. Afinal, estaria colocando em risco a vida de muitas pessoas e não só a minha. Mas o mais importante é que isso já está sendo investigado pela Secretaria Estadual de Segurança e, em breve, poderemos saber se essa história é verdade ou não.
O senhor sempre disse que não deixaria o Detro antes de concluir o processo de licitação das vans. E agora, vai continuar no cargo?
Regulamentar o transporte alternativo no estado foi uma missão confiada a mim pelo governador Sérgio Cabral. E só consegui cumprir esse desafio graças a uma forte ação integrada com a Polícia Militar e a Secretaria de Segurança. Mas o futuro a Deus pertence. Vou conversar com o governador, que sempre apoiou minhas decisões, para só depois decidir o que fazer.
Após dezenas de ameaças e dificuldades para concluir a licitação, qual o sentimento que fica ao ver que o processo chegou ao fim?
É o mesmo sentimento que Luís Carlos Prestes externou num difícil momento de sua vida pública quando disse: “A felicidade do homem público está na consciência do dever cumprido”. Estou pagando preço muito alto por estar iniciando um trabalho para acabar com a desordem neste setor, que é fundamental para melhorar a qualidade de vida de milhões de pessoas. Talvez se tivesse me rendido às pressões que sofri logo no início não estaria vivendo esse pesadelo hoje. Mas não me arrependo do que fiz.
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