domingo, 9 de agosto de 2009

Crack multiplica o lucro de traficantes do Rio

Contabilidade apreendida por agentes mostra que, apenas no Complexo de Manguinhos, quadrilha movimentou, em seis meses, oito vezes a quantidade apreendida pela polícia

POR LESLIE LEITÃO, RIO DE JANEIRO

Rio - Contabilidade do tráfico do Complexo de Manguinhos, encontrada há três semanas pela Polícia Civil, revela que a invasão do crack às favelas do Rio se transformou num fenômeno que nenhuma autoridade de segurança previu. Enquanto a polícia apreendeu no primeiro semestre 40,780 quilos da droga — quantidade quase três vezes maior do que em todo o ano passado —, as anotações da quadrilha indicam que o bando movimentou um volume quase oito vezes maior: 325 quilos, apenas entre 5 de fevereiro e 5 de julho.

Foto: Severino Silva / Agência O DIA

Crianças e adolescentes perambulam pelas ruas próximas às favelas de Manguinhos e do Jacarezinho após consumirem crack: infância perdida

Entre cadernos e agendas encontrados pela Delegacia de Roubos e Furtos (DRF), na casa de um traficante identificado como Rato, na Favela do Jacarezinho — cuja quadrilha é aliada à de Manguinhos —, são mais de 700 folhas. Nelas, há registros detalhados do faturamento com o tráfico de drogas, compras e vendas de armas e munição e até planejamentos de crimes, como o mapa de um assalto a banco que estava sendo preparado para a uma agência de Vila Isabel.

O material gerou a instauração do inquérito número 285/2009. “Uma coisa leva a outra. Os documentos mostram que a quadrilha praticamente se sustenta com a venda de crack. A partir disso, eles arrecadam capital para a compra de material bélico e, com essas armas, praticam mais crimes, roubando bancos, carros e motos”, afirma o delegado-adjunto da DRF, Marcelo Martins.

Os dados da contabilidade do crack de Manguinhos apresentam cifras impressionantes. Somente entre os dias 18 e 23 de fevereiro de 2008, a droga gerou um lucro de R$ 69,6 mil ao bando. Entre 11 e 18 de junho do mesmo ano, os valores aumentaram para R$ 155,5 mil. Segundo a polícia, Manguinhos e Jacarezinho, que eram entrepostos de cocaína e maconha para outras favelas dominadas pelo Comando Vermelho, passaram a ser também locais de fornecimento de crack.

O volume da droga entregue pelos ‘matutos’ é assustador. No período de 17 de julho a 11 de agosto do ano passado, as bocas de fumo das comunidades receberam cerca de 68 quilos. De 3 a 6 de dezembro, chegaram 71 quilos. E este ano, até julho, já foram pelo menos 325 quilos.

Ilusão de que Rio ficaria livre da droga

Até o início da década, quando o crack já tinha invadido as ruas de São Paulo, a polícia do Rio dizia que os traficantes cariocas não permitiam a chegada da droga às suas bocas de fumo. O discurso era de que os bandidos temiam que as pedras destruíssem rapidamente sua fonte de renda: os consumidores. Hoje, tudo mudou.

“Várias favelas estavam falidas e passaram a vender. Logo as pessoas foram se viciando e os bandidos começaram a ganhar dinheiro. Para o traficante, o importante é lucrar. Ele não se importa se aquilo vai destruir a vida de alguém”, dispara Marcus Vinícius Braga, da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod).

Segundo as investigações, o crack se alastrou nas favelas ligadas ao Comando Vermelho (CV), mas já é negociado em áreas de todas as facções.

Faturamento de mais de R$ 40 mil por dia

Apelidado de ‘Ronaldo’ na contabilidade do tráfico, o crack proporciona lucros imensos aos traficantes de Manguinhos. Em apenas quatro dias — cujas datas não estão registradas nos cadernos —, foram foram negociados R$ 156 mil.

Em 21 de janeiro, o faturamento com a droga, por exemplo, atingiu R$ 42,5 mil. Em 20 de fevereiro, foi de R$ 40 mil novamente. Segundo as anotações, o dia em que a venda de crack foi mais rentável foi 1º de junho, alcançando R$ 44 mil.

Tráfico vai às compras: R$ 439 mil em armas

A contabilidade de Manguinhos indica o total do arsenal adquirido com dinheiro do crack só em fevereiro e maio: R$ 439.600.
Anotações descrevem as altas quantias investidas, como R$ 60 mil em fuzil. Outros R$ 40 mil foram empregados em oito pistolas. As nove armas, cinco pistolas e quatro escopetas somaram R$ 180 mil.
Outra aquisição feita pelos traficantes é ainda maior. Somente com munição para fuzil 5.56 foram R$ 46.500. Foram 310 caixas. Nessa leva, compraram quatro fuzis: um por R$ 60 mil, outro por R$ 40 mil e dois por R$ 38 mil cada. Cinco carregadores de fuzil G3 — que atinge o alvo a até dois quilômetros — saíram por R$ 22.500. Total das ‘comprinhas’, que ainda incluiu outros tipos de munições: R$ 253.500.

Viciados entregues no meio da rua

As folhas traduzem o que pode ser visto pelas ruas adjacentes às favelas do Complexo de Manguinhos. Dormindo no meio do lixo ou perambulando pelas calçadas das cracolândias da região, há velhos, crianças, homens e mulheres — algumas grávidas —, todos entregues à droga mais avassaladora e mais barata entre as encontradas nas bocas de fumo.
“O crack é uma droga devastadora e de tratamento bem mais complicado que as outras”, afirma o psiquiatra Marcelo Migon, membro do Conselho Nacional Antidrogas.

Volume de apreensões da polícia não para de aumentar

Se comparados os dados da movimentação de crack de Manguinhos com o número de apreensões, é possível ver o tamanho da dificuldade do combate ao tráfico no Rio. Em 18 meses, o Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) analisou 54,100 quilos de crack.
Em 2008, foram apreendidos 13,320 quilos de crack. Somente no primeiro semestre de 2009, esse número mais que triplicou, chegando a 40,780 quilos. Em um único mês deste ano, o de maio, foram apreendidos 14,870 quilos — ou seja, mais crack do que em todo o ano passado.
Considerando um período de três meses (abril, maio e junho), o aumento de apreensões é assustador. Naquele trimestre de 2008 foi encontrado 1,570 quilo da droga, enquanto em 2009 foram 36,380 quilos, quantidade 2.318% maior numa comparação direta.

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