DA BBC Brasil
O empresário friburguense Ricardo Lengruber, 35, não consegue esquecer o que viveu na madrugada de quarta-feira, quando foi acordado por gritos de vizinhos pedindo socorro.
"Eles chegaram desesperados à minha casa por volta de 1h, dizendo que uma casa próxima tinha sido parcialmente destruída e que tinha uma menina presa lá dentro", conta ele.
Acompanhado do irmão Raphael, seu vizinho, Ricardo chegou ao local e encontrou um casal segurando uma criança de 2 anos.
"Eles conseguiram sair, mas a neta Sabrina, de 7 anos, que tinha ido passar a noite, ficou dentro de um cômodo que estava caindo e onde era impossível entrar", explica.
"Eu consegui conversar com a Sabrina. Chamava por seu nome e ela respondia", lembra.
Ricardo chegou a ligar para o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil, mas não conseguiu ajuda.
"O acesso à minha rua, que fica no centro de Friburgo, ficou fechado. Os bombeiros disseram que não tinham como entrar, que não paravam de receber chamadas e que eu teria que tentar resgatar a menina sozinho", relata.
Foi quando começou a chover mais forte, e o quarto onde Sabrina estava foi invadido pela água. No escuro e sem ferramentas apropriadas, Ricardo e o irmão usaram martelos para furar a parede na tentativa de que a água escapasse.
"Foi uma situação muito tensa, porque não estávamos enxergando nada e ainda corríamos o risco de que o resto da casa desabasse", relembra.
Ricardo conta que continuou chamando por Sabrina até que ela parou de responder. Uma hora e meia após começar a remover os entulhos, ele e os vizinhos acharam o corpo da menina, coberto de lama.
"Ainda tínhamos esperança de que ela estivesse viva e levamos o corpo para a casa do meu irmão. Uma enfermeira que mora perto tentou reanimá-la com massagem cardíaca, mas era tarde demais", diz.
LIBERAÇÃO DO CORPO
Ricardo tentou sem sucesso acionar equipes de resgate para que viessem buscar o corpo de Sabrina, colocado sobre uma mesa. Enquanto isso, era imprescindível passar a noção de tranquilidade para seu sobrinho Pedro, de 6 anos, que foi retirado de casa sem perceber nada.
"Passamos o dia tentando liberar o corpo, mas a cada vez que achava um bombeiro ele dizia que estava dando prioridade para quem ainda estava vivo", diz.
O corpo da menina ficou por 12 horas na casa do empresário.
"Depois de muita insistência, consegui que um médico que estava trabalhando na entrada da minha rua fosse retirar o corpo, e aí aconteceu um outro momento dramático", relata.
Ricardo conta que o pai de Sabrina chegou exatamente na hora em que os bombeiros removiam seu corpo.
"Ele gritava que não acreditava e quis desembalar o corpo para ter a certeza de que a filha tinha morrido. Foi horrível", diz.
Segundo ele, o episódio "foi uma experiência traumatizante". "É desesperador ver uma criança morrer e não poder fazer nada", diz.
Jorge Araújo/Folhapress
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MEDO
Com medo de que novas barreiras caiam e atinjam sua casa, Ricardo está com a família na casa do tio desde quinta-feira.
Ele diz que a maior parte dos supermercados ainda está fechada, que falta água nas casas e que a eletricidade só voltou na noite de quinta-feira.
Pelo menos 214 mortes já haviam sido confirmadas em Nova Friburgo pela prefeitura até a manhã desta sexta-feira. Em toda a região serrana, morreram mais de 500 pessoas.
O estádio Celso Peçanha, em Nova Friburgo, não comporta mais corpos e, desde a noite da quinta-feira, as vítimas da tragédia estão sendo levadas para quadras de escolas de samba.
Nova Friburgo amanheceu com chuva nesta sexta-feira, e a previsão é que continue a chover no fim de semana.
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