sábado, 15 de janeiro de 2011

Vidraceiro conta como socorreu mulher da enxurrada com uma corda

Não sou herói. Herói não existe. Foi coisa de Deus’, disse Gilberto Branco.
Imagem marcante foi exibida em TVs e sites do exterior.

Glauco Araújo Do G1 RJ, em São José do Vale do Rio Preto

Na manhã de quarta-feira (12), uma atitude de coragem e solidariedade marcou positivamente a tragédia das chuvas em São José do Vale do Rio Preto, na Região Serrana do Rio de Janeiro. Um dos responsáveis por resgatar dona Ilair Pereira de Souza, 53 anos, que estava em uma casa prestes a desmoronar é o vidraceiro Gilberto Branco Faraco, 23 anos. Ele e Daniel Lopes aparecem nas imagens que correram o mundo e foram exibidas no site do jornal "The New York Times" e na rede de TV CNN, entre outros.

O resgate

No vídeo, Daniel aparece de camiseta amarela. Gilberto aparece nos instantes finais, de camiseta branca. Ele está recolhido na casa de um tio, em Queiroz, e quer evitar dar entrevistas para tentar apagar a imagem de que tenha sido um herói, mas concordou em falar ao G1 sobre o salvamento.

O jovem revelou a sensação de resgatar uma pessoa em meio a tantas mortes provocadas pela enxurrada daquela fatídica quarta-feira. (Abaixa, você pode ver a íntegra da gravação feita pelo cinegrafista Rogério de Paula, da InterTV, afiliada da Rede Globo).

“Não sou herói. Herói não existe. Foi coisa de Deus mesmo. O herói foi ‘Ele’. A gente só foi a ferramenta usada por ‘Ele’”.

Gilberto reencontrou dona Ilair na tarde desta sexta-feira (14), quando voltou ao apartamento onde morava para pegar alguns objetos pessoais. “Ela me agradeceu muito, mas o que vale mesmo é que pudemos ajudar uma pessoa. Estamos aqui para isso. Foi tudo muito rápido. Tudo conspirou para dar certo. Quando a reencontrei, fiquei feliz porque vi que ela tinha voltado a sorrir.”
O vidraceiro disse que só teve tempo de ouvir o pedido de socorro de Ilair. “Ela estava sob o telhado e não tinha como vermos onde ela estava ao certo. Pegamos a primeira corda, com uma cadeirinha de pintor, daquelas usadas em escalada, e jogamos, mas a cadeirinha ficou presa. Corremos para pegar uma segunda corda, que segurava o andaime e jogamos para ela. Eu tentei umas três vezes e o Daniel outras três vezes até acertarmos onde ela estava.”
Sem tempo para pensar
Gilberto disse que a operação de resgate durou entre 5 e 10 minutos. “Não dava tempo para pensar muito. Foi um desespero só. O Daniel foi muito importante e inteligente no salvamento, porque ficou puxando ela para cima. Ele foi muito forte para fazer o que fez, pois ainda tomou cuidado para que a corda, com o peso de dona Ilair, pudesse se cortar com o atrito na grade do prédio onde estávamos.”
Ele revelou que ficou segurando uma das pontas da corda, escorando com o corpo atrás de uma pilastra do prédio. “Tinha de fazer isso para não deixar que a corda cedesse. Outras pessoas também ajudaram, como o Juan, a Miriam, que é a mãe dele, o Ronan e minha namorada (Gabriela Machado Rampini). Foi uma soma de esforços.”

vidraceiro Gilberto

Gilberto mostra como segurou a corda para
resgatar dona Ilair (Foto: Glauco Araújo/G1)

Apesar de ter corrido o mundo, as imagens do salvamento ainda não chegaram aos olhos de Gilberto. “Ainda não vi a cena da gente tirando ela da água e puxando para o prédio. Só lembro do que aconteceu, mas ainda não vi o vídeo. Estou sem energia e internet na casa de meu tio desde aquele dia. Não tenho nem ideia direito do que aconteceu na região com essa chuva.”

Gilberto lembrou dos momentos de susto que passou durante o salvamento de Ilair por causa da força da água. “O prédio chegou a balançar todas as vezes que uma pedra, uma árvore, um caminhão ou um carro batiam na parede do prédio. Cheguei a pensar que todos poderiam cair com o prédio.”

Sono perturbador

A primeira noite de sono após aquela quarta-feira foi diferente para Gilberto. “Foi um sono perturbador, mas ao mesmo tempo tive a sensação do dever cumprido, de que fiz uma coisa boa para alguém. Mas não me considero um herói. Só seria herói se tivesse salvado todas as pessoas que caíram na água, mas muita gente morreu naquele dia.”

Depois de içar dona Ilair para o topo do prédio, Gilberto contou como foram os primeiros instantes depois de encerrar o salvamento. “Foi um silêncio absoluto. Ela (Ilair) entrou em estado de choque. Ela não falava nada e ficava olhando para os lados, girando a cabeça, meio que querendo entender onde estava e o que tinha acontecido. Todos olhavam para ela.”

Gilberto trabalha como vidraceiro há 6 anos em São José do Vale do Rio Preto. Antes, ele trabalhou com o pai, na funerária dele, durante 4 anos. “Acho que, se eu não tivesse conseguido salvá-la, iriam falar que era por ter trabalhado em funerária. Por sorte deu tudo certo”, brincou o jovem.

“A gente passou um aperto danado, mas não perdi tudo. Dona Ilair perdeu tudo, é carente e vai precisar de ajuda para recomeçar a vida”, disse o vidraceiro.

Entrevista

Na quinta-feira (13), dona Ilair deu entrevista ao G1. Leia a seguir o texto:

“Eu pensei que ia morrer, mas pedi, pelo amor de Deus, que meus vizinhos não me deixassem morrer ali”. Foi dessa maneira e com os olhos mareados que a dona de casa Ilair Pereira de Souza, 53 anos, resumiu os momentos de pavor que passou pendurada em uma corda ao ser socorrida por vizinhos na enxurrada em São José do Vale do Rio Preto.

“Nunca tinha feito um nó em corda na minha vida. Quando jogaram a corda, me amarrei rapidinho que nem sei como fiz aquele nó. Estava com tanto medo que o nó fosse fraco que me agarrei como nunca na corda”, disse Ilair.

G1 - Chuvas no RJ

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